Arte como libertação
A escultora Helen Martins de "O caminho para Meca" integra a galeria de personagens fortes de Cleyde Yáconis
Por Daniel Schenker Wajnber

CLEYDE YÁCONIS não sai atrás de personagens. Valoriza textos. Mas também não costuma procurá-los. “As peças caem no meu colo. A única que busquei foi A Capital Federal e, mesmo assim, para produzir, não para atuar”, afirma, citando a burleta de Artur Azevedo. A atriz firmou, ao longo de sua carreira, um repertório dramatúrgico extremamente consistente. O mais recente espetáculo protagonizado pela atriz foi O caminho para Meca, apresentado recentemente no Rio de Janeiro.

O texto de Athol Fugard, autor que já teve uma de suas peças encenadas no Rio, a ótima Master Harold e os meninos, aborda a trajetória de Helen Elizabeth Martins (1897-1976), sul-africana que encontra seu caminho de libertação através da escultura. Em cena, ao lado de Cleyde, estão Cacá Amaral e Patricia Gasppar (substituindo Lúcia Romano), todos sob a direção de Yara de Novaes.

Helen lembra, em alguma medida, outra personagem interpretada por Cleyde Yáconis: a escritora Karen Blixen, conhecida pelo pseudônimo de Isak Dinensen, que viveu no Quênia e em Nairobi. “Vejo conexões, ainda que as personagens sejam diferentes. Karen se mostra mais dura, enfrenta o câncer com rigidez, ao passo que Helen é mais feminina, cria estratégias”, observa Cleyde, que fez Karen/Isak no monólogo A filha de Lucifer, de William Luce, dirigido por Miguel Falabella.

Talvez seja possível traçar uma ligação entre Helen e a própria Cleyde, no que se refere à importância que a arte adquiriu nas vidas de ambas. “As personagens que interpreto são meus fortificantes para viver. Sou sozinha. Não tenho mais as minhas queridas”, diz Cleyde, referindo-se à mãe, Alzira, e às irmãs, a atriz Cacilda Becker e Dirce, falecidas. “Adquiri paciência através das personagens”, constata a atriz, que começou a carreira no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e mergulhou nos universos de autores como Luiggi Pirandello (em Seis personagens à procura de um autor, Assim é... se lhe parece e Os gigantes da montanha), Jean-Paul Sartre (Mortos sem sepultura), Friedrich Schiller (Maria Stuart), Federico García Lorca (Yerma), Ariano Suassuna (Auto da Compadecida), Gianfrancesco Guarnieri (A semente), Jorge Andrade (Vereda da salvação) e Nelson Rodrigues (Toda nudez será castigada), entre muitos outros.

Já na década de 80, Cleyde ganhou o último Prêmio Molière por sua interpretação da aristocrata diretamente inspirada em Mimina Roveda, uma das sócias do Teatro dos Quatro, em O baile de máscaras, de Mauro Rasi. Nos últimos anos, continuou fazendo personagens marcantes em Longa jornada de um dia noite adentro, de Eugene O’Neill, Cinema Éden, de Marguerite Duras, e A louca de Chaillot, de Jean Giroudoux. “Gostaria de interpretar uma personagem diferente por noite”, assume. Mas Cleyde sabe que tal empreitada seria difícil no contexto atual. “A situação atual do teatro está bem complicada. Temos que mendigar dinheiro. A maioria dos atores só consegue trabalhar de sexta a domingo. Antigamente fazia dez sessões por semana. Dizem que o público não aguenta mais de duas horas de apresentação e, por isto, peças e personagens costumam ser cortadas”, observa.

Apesar dos obstáculos, não pensa em parar de trabalhar. Deverá participar da próxima novela do antigo parceiro Silvio de Abreu. “A primeira peça a que ele assistiu foi A morte do caixeiro viajante, que eu fazia. Depois trabalhou comigo como ator em Tchin tchin e As fúrias”, relembra. Cleyde costuma fazer amigos no trabalho. Quando estava gravando Olho no olho, novela de Antonio Calmon, reuniu jovens atores do elenco (Bel Kutner, Iara Jamra, Felipe Folgosi) para interpretar textos. “Nós nos reuníamos na casa de Paulo José. Foi ótimo. Ganhei com a troca. Sou caretona, mas a juventude gosta de mim”, constata.

 

[ IMPRIMIR | FECHAR ]