Miguel Falabella mistura referências em "Polaróides urbanas", versão cinematográfica de "Como encher um biquini selvagem", texto de sua autoria, que rendeu montagem de sucesso com Claudia Jimenez. De um lado, tiradas dignas do saudoso besteirol, que vigorou nos palcos durante os anos 80 através de espetáculos interpretados por duplas de comediantes, como Felipe Pinheiro/Pedro Cardoso, Ricardo de Almeida/Miguel Magno e Miguel Falabella/Guilherme Karam (vide o divertido "As sereias da Zona Sul"). Do outro, busca um registro mais contido que evoca talvez espetáculos mais intimistas, como "Emily", "A filha de Lucifer" e "A flor do Alentejo" - centrados, respectivamente, em Emily Dickinson, Karen Blixen e Florbela Espanca.O destaque às personagens femininas e às cores vibrantes remetem também ao universo de Pedro Almodóvar, desde os trabalhos mais atrevidos, durante o período da movida madrileña, como "Pepi, Luci, Bom y otras chicas del mantón", até a consagração internacional, com "Mulheres à beira de um ataque de nervos", e a fase atual, marcada por personagens amadurecidos. Dedicado à divulgação de "Polaróides urbanas", Falabella está apresentando no Rio o espetáculo "Os produtores" e gravando a segunda temporada de "Toma lá, dá cá", humorístico da TV Globo que passou a contar com a presença de Ítalo Rossi, como Ladir, marido da síndica interpretada por Stella Miranda. E planeja remontar "Emily", com Natália do Vale, elogiadíssimo espetáculo que encenou, na década de 80, com Beatriz Segall, e filmar "Veneza", que mostrou, há poucos anos, no teatro.(DANIEL SCHENKER) O carinho e a compaixão pelo ser humano, bastante presentes em "Polaróides urbanas", são forças impulsionadoras de seus trabalhos no teatro e no cinema, não?(MIGUEL FALABELLA) Sim. Sempre observei a vida. Morava na Ilha do Governador e minhas tias iam para lá passar o verão. Lembro de ouvi-las como personagens. E passei a falar sobre o que conheço, sobre o que faz parte do meu labirinto. Rosa Monteiro, uma escritora espanhola de quem gosto muito, diz que o mais importante é jogar uma luz para os personagens aparecerem e é exatamente o que faço quando estou sozinho.(DS) No filme, você entrecruza pedaços de trajetórias de vários personagens. É como se todos estivessem conectados por uma espécie de fio invisível?(MF) A globalização nos estreitou, mas, paradoxalmente, nos afastou. A solidão é cada vez mais a tônica das pessoas. E, não só em relação a essa perspectiva, existe, de fato, um fio invisível que conecta a todos no planeta. Por exemplo: na época da movida madrileña, na Espanha, nós estávamos fazendo o teatro do besteirol por aqui. Há momentos em "Polaróides urbanas" que presto homenagem ao besteirol, como aquele em que a atriz interpreta Antígona totalmente perdida em cena e os em que Magda diz que Egito parece Cabo Frio e Roma, Salvador.(DS) Pedro Almodóvar é uma referência? (MF) Claro. Somos da mesma geração, tivemos as mesmas influências, fizemos as mesmas escolhas. As personagens femininas são muito importantes para mim. Admiro profundamente seus filmes.(DS) Você investe numa crítica bem-humorada à
psicanálise... (MF) Critico, mas adoro a psicanálise. Não temos como negar Freud. Já fiz análise, parei e qualquer dia volto. Gosto bastante da figura do psicanalista como um interlocutor neutro.(DS) Você acha que os momentos dramáticos de "Polaróides urbanas" o reconectam, de alguma maneira, às montagens intimistas, como "Emily", "A filha de Lucifer" e "A flor do Alentejo"?(MF) Acho que sim. Quero, inclusive, remontar "Emily", com Natália do Vale. Emily Dickinson foi muito importante para a minha formação. Mas a vida é curta e rápida e estou sempre jogando nas 11.(DS)Depois de "Polaróides urbanas", você planeja filmar "Veneza". Tem também a intenção de transportar "Louro, alto, solteiro, procura..." para a tela?

(MF) Não. "Louro, alto..." é mais farsesco do que "Como encher um biquíni selvagem" e está muito ligado a um exercício de virtuosismo do ator. Mas quero filmar "Império". Acho interessante levar um grande musical para o cinema.