Com "Salmo 91", Gabriel Villela talvez esteja dando uma guinada em sua carreira. Conhecido pelo aproveitamento artístico de muitos elementos referentes às suas raízes do interior de Minas Gerais, o diretor investe agora uma vertente mais documental neste espetáculo em cartaz no Teatro Poeira, que desembarcou no Rio cercado de recomendações: traz na bagagem os prêmios APCA de melhor direção, Qualidade Brasil - ator (Pascoal da Conceição), direção e espetáculo - e duas vitórias no Shell de São Paulo - nas categorias autor (Dib Carneiro Neto) e ator (Rodolfo Vaz).

O diretor se distancia, possivelmente, de uma abordagem mais estilizada da realidade, a exemplo de suas investigações do circo-teatro no Brasil, no ótimo e premiado "Vem buscar-me que ainda sou teu", e do imaginário suburbano, na bem-sucedida versão de "A falecida", de Nelson Rodrigues. No caso de "Salmo 91", Villela mergulhou no texto de Dib Carneiro Neto (responsável pela dramaturgia de "Adivinhe quem vem para rezar", montado com Paulo Autran) adaptado, por sua vez, de "Estação Carandiru", livro de Drauzio Varella que rendeu também o filme "Carandiru", de Hector Babenco. Transporta para o palco o massacre da Casa de Detenção de São Paulo (conhecida como Carandiru), presídio construído na década de 20 e desativado em 2002, através de dez monólogos interpretados por cinco atores, com os quais vêm trabalhando ao longo do tempo. Os personagens se relacionam com a platéia como se estivessem diante de um confessionário. Afinal, Gabriel Villela costuma desenvolver promissoras parcerias, a exemplo dos anos em que conduziu o Grupo Galpão em montagens como a até hoje lembrada "Romeu e Julieta", "A rua da amargura" e "A Guerra Santa". Dirigiu Marieta Severo em "Torre de Babel", de Arrabal, e Renata Sorrah em "Mary Stuart", de Schiller. Não por acaso, planeja continuar trabalhando com os atores de "Salmo 91" e com as atrizes de "Esperando Godot" (Bete Coelho e Magali Biff à frente) na encenação de uma tragédia grega e de peças de Plínio Marcos. E aproveita para anunciar outros projetos: uma versão de "Vestido de noiva", com Walderez de Barros e Mila Moreira, e outra de "Calígula", com Thiago Lacerda.(DANIEL SCHENKER) Fale um pouco sobre a influência do futebol, que já norteou a sua versão de "A falecida" e ressurge agora em "Salmo 91": (GABRIEL VILLELA) Está ligado a uma pesquisa do universo popular brasileiro. No caso de "A falecida", foi o modo que encontrei para me aproximar do mundo do subúrbio carioca, distante da minha realidade interiorana. Em "Salmo 91", o massacre no Carandiru começou, de fato, a partir de uma disputa de campeonato dentro dos pavilhões do presídio. A situação ficou tensa, mas ainda não era uma rebelião. A polícia, porém, traduziu assim quando chegou lá e deu partida ao massacre.(DS) Pode-se dizer, nesse sentido, que em "Salmo 91" você está sendo influenciado por uma vertente documental?(GV) A única concessão barroca foram as pernas que vazam sangue, adereços usados pelos atores. Estou lidando com um fato histórico recente, relacionado ao sangramento de uma população em confinamento. A peça não tem Drauzio Varella como personagem, diferentemente do livro, um relato histórico, e do filme.(DS) Você sente falta de uma parceria artística com uma companhia, a exemplo da que travou com o Grupo Galpão?(GV) Sinto, sobretudo quando o grupo me puxa para um encontro mais distante do eixo Rio-São Paulo. Estou trabalhando agora, em Caicó (Rio Grande do Norte) com o grupo "Clowns de Shakespeare", que conheci quando fiz uma ópera a céu aberto em Mossoró. É um grupo que lembra o Galpão na sua juventude artística, pré-"Romeu e Julieta". Eles me convidaram para dirigi-los numa versão de "Ricardo III" a ser encenada na rua.(DS) Por que você optou que os dez monólogos que integram a estrutura de "Salmo 91" fossem interpretados por cinco atores?(GV) Para poder trabalhar com atores com os quais sinto afinidade. Já tinha trabalhado com eles em "Leonce e Lena" e "Fausto Zero". Passamos a desenvolver um núcleo mínimo de discussão. Fazemos reuniões semanais para conversar sobre teatro. Há três anos estamos nos preparando para levar uma tragédia grega, "As troianas", ao palco. Walderez de Barros será Hécuba num espetáculo que marcará o encontro dos atores de "Salmo 91" com as atrizes de "Esperando Godot". E depois vamos investir numa "trilogia pobre", composta por três peças de Plínio Marcos, um autor também trágico por excelência. São projetos importantes para retratar um tempo como o atual, em que a barra anda muito pesada.(DS) Você tem também uma parceria duradoura com Leopoldo Pacheco... (GV) Conheci Leopoldo quando ele era aluno da Escola de Arte Dramática (EAD) e eu fazia direção na ECA. A turma dele era aberta para experiências mais radicais. Estudamos com alguns dos mesmos professores. O nosso reencontro se deu na época em que estava mambembando com o Grupo Galpão. De início, ele veio para somar nas áreas de cenografia, figurino e maquiagem - até porque é ligado às artes plásticas. Depois me ajudou no período (entre 2000 e 2003) em que fui diretor artístico do Teatro Brasileiro de Comédia. Acho que ele e Pascoal (da Conceição) personificam o ator ideal.

SALMO 91 - Texto de Dib Carneiro Neto. Direção de Gabriel Villela. Com Pascoal da Conceição, Rodrigo Fregnan, Pedro Henrique Moutinho, Ando Camargo e Rodolfo Vaz. De ter. a qui. às 21h. Teatro Poeira (R. São João Batista, 104 - Botafogo. Tel.: 2537-8053). Ingressos a R$ 40.