A CAL se transforma em decorrência de uma reflexão constante acerca do fazer teatral. Talvez o mais correto não seja “defini-la” como uma escola de formação de atores, mas como um espaço que procura fomentar nos alunos o vínculo com o processo artístico. Esta é, possivelmente, a espinha dorsal que sobrevive intacta às mudanças ao longo dos anos.

No que diz respeito à minha própria experiência, encontrei duas escolas diferentes – a primeira, que conheci como aluno, e a segunda, que acompanho como professor -, o que, a meu ver, não evidencia uma falta de coerência, mas, ao contrário, uma disponibilidade em assimilar novas propostas.A escola que conheci, na primeira metade da década de 90, possibilitava aos alunos percursos, até certo ponto, diversos, de acordo com a trajetória de cada turma. No meu caso, desenvolvi uma trajetória bastante peculiar dentro da escola. Os dois primeiros períodos do meu curso regular de interpretação, ministrados pelo professor Luiz Carlos Ripper, já falecido, foram destinados ao estudo detido dos conceitos de Constantin Stanislavski, por meio da leitura atenta dos livros “A Preparação do Ator”, “A Construção do Personagem” e “A Criação do Papel”. Já os dois períodos seguintes foram destinados ao aprendizado das técnicas do clown e da mímica corporal dramática, com Stephane Brodt e Ana Teixeira, ambos recém-chegados do Théâtre du Soleil, de Ariane Mnouchkine, e à frente, atualmente, da companhia Amok Teatro.Já a escola que venho acompanhando nesse início de século XXI se pauta por uma organização mais rigorosa – e, importante frisar, não estou estabelecendo juízos de valor numa eventual comparação entre as duas épocas. Os professores seguem com mais ênfase um programa pré-estabelecido, o que não implica, claro, em anulação das diferenças. O segundo período do curso Regular, por exemplo, destina-se ao encaminhamento de uma construção realista, ainda que não obrigatoriamente a partir de uma dramaturgia realista. A etapa seguinte consiste no destaque à linguagem não-realista por meio de obras representativas do absurdo ou também do trabalho com material não-dramatúrgico. Já no último período, as escolhas para cada turma obedecem a um perfil mais diferenciado, tendo como critério a priorização daquilo que, até então, não foi muito valorizado no processo de desenvolvimento de cada turma em particular.No decorrer do tempo, a CAL também passou a destacar com mais ênfase o exercício prático. Se antes o aluno participava de uma montagem no meio do curso e de outra no final, agora, além destas, há duas pequenas encenações no terceiro período, nas quais cada turma vivencia processos com dois professores diferentes, e mais uma no quarto período, além da sucessão de cinco bancas, criadas com o objetivo de fazer com que os alunos exercitem semanalmente cenas de autores diversos. De alguma maneira, a escola parece fazer com que o aluno entre em sintonia não só com a realidade do mercado profissional do momento atual como com uma tradição teatral, a julgar pelo aprendizado prático dos atores brasileiros ao longo do século XX, valendo evocar, por exemplo, iniciativas como as do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), marcada pela constante alternância de montagens, e do Grande Teatro, calcado na encenação ao vivo de peças teatrais na televisão.Neste semestre, os alunos estão visitando uma ampla gama de textos teatrais. No Regular 2, as turmas apresentarão montagens de “O Tempo e os Conways”, de J.B. Priestley, texto que já rendeu espetáculos célebres, como o do Grupo Tapa, que tinha no diretor Renato Icarahy um de seus integrantes; “Bonitinha, mas ordinária”, uma das principais tragédias cariocas de Nelson Rodrigues, que chegará à cena em montagem de David Herman; “Marat Sade”, texto de Peter Weiss já adaptado para o cinema por Peter Brook, em encenação de Luiz Furlanetto; e “Do mundo nada se leva”, de George Kaufman e Moss Hart, a cargo de Celina Bebiano.No Regular 3, os professores optaram por vertentes variadas: Paulo Afonso de Lima, que montou “Candido, ou o otimismo”, de Voltaire, escolheu agora “O capote”, de Gogol. Adriano Garib, responsável pela encenação de “O círculo de giz caucasiano”, de Brecht, decidiu investir na união entre as principais peças de Samuel Beckett – “Esperando Godot”, “Fim de jogo” e “Dias felizes” – e alguns textos curtos do dramaturgo – como “Catástrofe”, “Improviso de Ohio”, “Play” e “Vai e vem” –, recentemente visitados pelos irmãos Adriano e Fernando Guimarães. E Celina Sodré, que dirigiu uma versão de “Carta ao pai”, de Kafka, intitulada “Kiridupai”, vai montar com seus alunos a tragédia grega “Édipo Rei”, de Sófocles. No Regular 4, as turmas apresentarão “Anton Bertold Samuel” – reunião dos textos “A gaivota” (de Tchekhov), “O Senhor Puntilla e seu criado Matti” (Brecht) e “Fim de jogo” (Beckett) –, sob a condução de Ticiana Studart; “120 Dias de sodoma”, texto de Rodolfo García Vazquez, diretor do grupo Os Satyros, a partir da obra de Marquês de Sade, em encenação de Inez Viana; “O caso desta tal de Mafalda que deu muito o que falar e acabou como acabou num dia de Carnaval”, incursão de Antonio De Bonis no universo de Carlos Alberto Soffredini; “Baal”, versão de Ole Erdman para a obra de Brecht; e “As três irmãs”, transposição de Thierry Trémouroux de uma das quatro grandes peças de Tchekhov.

Terminados os cinco períodos da escola, os alunos partem para a montagem de formatura, apresentada em teatros fora da CAL. Este término – na verdade, primeiro passo na apresentação dos alunos ao mercado de trabalho – proporciona muitas vezes contatos inesperados com diretores ainda desconhecidos e com uma dramaturgia imprevista. As escolhas dos diretores dos últimos espetáculos de formatura foram totalmente diversas: Thierry Trémouroux optou por “Leonce e Lena”, texto de Georg Büchner (normalmente lembrado pelo inacabado “Woyzeck”), autor do romantismo alemão mais identificado com propostas realistas. Tonico Pereira e Marina Salomon apresentaram “Machado de Assis esta noite!”. E Roberto Innocente investiu em “O quadro das maravilhas”, adaptação de “El retablo de las maravillas”, de Miguel de Cervantes.