Palco: terra boa pra plantar

por Alice Reis


Em 1975, tendo sido convidada a dar aulas no Colégio Batista, pedi a todos os meus novos alunos, no primeiro dia de aulas, que escrevessem o que significava para eles a palavra teatro e o que esperavam desta nova atividade. Mostrando ao crítico Yan Michalski o conjunto das respostas, ele ficou também tão encantado com a riqueza das definições que as publicou numa página inteira do Jornal do Brasil (em 06/05/75).

Anos depois, coordenando o Núcleo Jovem de Teatro da CAL, sugeri à nossa equipe que repetíssemos  a experiência. O que seria teatro para a garotada de hoje em dia, tão conectada ao mundo, tão influenciada pela TV, tão bombardeada por informações vindas de todos os lados?

Trabalhando com crianças na faixa etária de 6 a 11 anos, recebi respostas extremamente espontâneas, criativas e perspicazes. A maioria acha teatro uma coisa muito divertida e uma delas sintetizou: “Alegria, diversão, criação, expressão. Teatro é muito legal !”.

As crianças percebem o grande potencial do teatro como instrumento de comunicação e através dele buscam se aproximar dos outros. Uma disse que  “Teatro é diversão para tirar a tristeza dos outros”.  Mas, antes de tirar a tristeza dos outros, tira a nossa própria ansiedade, já que canaliza a necessidade básica das crianças de todos os tempos que é participar do jogo, da brincadeira, do faz de conta. Uma disse: “Teatro é poder interpretar textos mas brincar também”.

Crianças modernas que têm uma agenda apertadíssima, pulando de atividade em atividade, sentem que “no teatro nós aprendemos a ter colegas e aprendemos a gostar de várias coisas”. O teatro é talvez a atividade que mais nos ajuda a nos conhecer, a descobrir os outros, a gostar de um trabalho realizado em equipe. 

Antes, como agora, os depoimentos revelam como as crianças se sentem atraídas por uma atividade que valoriza o que são, como pensam, o que dizem, sem o freio inibidor do certo - errado.  Que abre o nosso olhar e aguça a nossa curiosidade. “Teatro é fazer outros personagens e saber sua personalidade”. Em 1975, um aluno escreveu : “Eu queria aprender no teatro a representar. Não sei como essas pessoas conseguem representar sem ficar com vergonha. Do teatro é só isso que eu quero aprender. O resto eu sei “.  Hoje, uma me diz que “Teatro é perder a vergonha, é você ser outra pessoa de corpo e fala”. É ter coragem de fazer coisas que  nunca fez, é experimentar, é repetir, é construir alguma coisa nova.

Acho que a magia do teatro está nessa mistura tão linda de realidade e ilusão. Uma atividade lúdica que explora a fantasia, a imaginação, aliada a uma absoluta concretude, do fazer, refazer, construir, reconstruir. A cada dia desenvolvendo idéias, recriando imagens, colando movimentos e  ritmos, se aproximando da melhor maneira de contar uma história. E  alcançando a síntese na apresentação final – uma peça pronta, princípio, meio e fim - palco e platéia – cenários, figurinos, maquiagem, trilha sonora, luz. Emoção à flor da pele na hora do terceiro sinal.

A energia da história contada ao vivo, sem truques  e limpezas na edição (“Teatro é uma peça que tem vários personagens que se apresentam para um público ao vivo”)  atrai as crianças e jovens,  fascinados  pelos acontecimentos que podem dar errado. Muitas vezes  perguntam: “como é que a gente faz se alguém esquecer  a fala?”. E eles mesmos respondem, “Ah, a gente inventa, improvisa, disfarça. A história não pode é parar!”.  Transformar um aparente erro em acerto é um dos exercícios   básicos do ator  - o exercício de estar alerta, atento, respondendo a todos os estímulos. Teatro nem sempre é fácil. Uma menina escreve que “Teatro é divertido, porém às vezes um pouco complicado”.

O teatro faz com que todos se exponham e aparece muito até quem quer se esconder. É bonito ver como os alunos vão adquirindo confiança, vão perdendo os medos, vão aprendendo uns com os outros, vão crescendo dentro do grupo. Como eles vão sacando a própria força da linguagem teatral,  como rapidamente ganham novos recursos e percebem novas possibilidades de expressão. Em 1975, uma criança escreveu: “Eu nunca fui ao teatro mas acho que o teatro é uma forma de sentir as coisas mais de perto”. Persiste a idéia de que o teatro é “uma forma de se voltar ao passado, reviver o presente e viajar ao futuro e viver a vida de outras pessoas”.  Ver de perto, ver de dentro, ver com o coração.

No mundo de hoje, em que estamos tão informados, tão conectados, mas também assustados e ansiosos, o teatro permanece como um lugar mágico onde vivemos bons momentos.

Desde 1974, dou aulas de teatro para crianças e é um prazer constatar que o trabalho  que se realiza tem efeitos profundos, que é uma atividade importante para a educação global de uma pessoa, que o que se realiza jamais será esquecido. A gente fica velho mas não se esquece de um teatro do qual participou em criança, tenha sido feito na escola, no clube, na igreja, numa brincadeira em família. Trabalhar na formação de uma criança é uma maneira de tentar melhorar o mundo. Como professora, não tenho dúvidas de que o terreno é fértil e o resultado, por mais difícil que possa ser o processo, sempre é gratificante. O palco é uma terra boa pra plantar.

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