Os frutos de 25 anos de trabalho

por Daniel Schenker Wajnberg


Referência importante como escola de teatro no Brasil, a Casa das Artes de Laranjeiras (CAL) é resultado do desenvolvimento de um projeto formulado há 25 anos por Yan Michalski, Eric Nielsen, Gustavo Ariani e Alice Reis. Michalski se dedicou integralmente à escola entre 1982 e 1990, quando morreu; Gustavo, Eric e Alice permanecem até hoje na CAL, ao lado de Hermes Frederico, que assumiu o cargo de coordenador há 15 anos.

As funções dos fundadores da CAL foram bem divididas. Gustavo se ocupa mais diretamente da direção geral da escola, ao lado de Hermes. Alice, responsável pela secretaria escolar e pela biblioteca, vem desenvolvendo o Núcleo jovem, destinado a crianças e adolescentes até os 15 anos (a idade mínima para ingressar no curso profissionalizante é 16); e Eric permanece como professor de interpretação voltada para o vídeo, trabalho realizado com alunos do último período do curso de formação.

O envolvimento do crítico de teatro Yan Michalski com a cena ultrapassava a análise de espetáculos em cartaz no Rio de Janeiro. Para implantar a escola, afastou-se da atividade de crítico no Jornal do Brasil e da de professor no Conservatório Nacional de Teatro (atual UniRio). Sob as bençãos de Sergio Britto e Glorinha Beutenmuller, a CAL foi inaugurada – e com um irretocável time de professores: Rubens Corrêa, Juliana Carneiro da Cunha, Aderbal Freire-Filho, João das Neves, Alcione Araujo, Luiz Antonio Martinez Corrêa, Bia Lessa e Beti Rabetti, entre tantos outros.

Hoje a CAL funciona em três frentes: o curso profissionalizante, que dura dois anos e meio, composto por aulas de interpretação (teatro e vídeo), corpo, voz, música, história e literatura do teatro; os cursos livres, ministrados por professores da escola e por artistas de fora (como as atrizes Beatriz Segall, Cleyde Yáconis, Irene Ravache e Laura Cardoso, o ator/performer Antonio Nóbrega e os diretores Antunes Filho, Gerald Thomas e Moacyr Góes); e os projetos que ultrapassam as fronteiras do casarão localizado no alto da Rua Rumânia, como a série “Grandes Damas”, exibida pelo canal GNT, e a minissérie “DNA”, com elenco formado por alunos da escola, vinculada pela TVE. “Em ‘DNA’ destacamos temas que foram aproveitados depois pelas novelas, como o culto à celebridade, a escalada do tráfico, as transformações sofridas por ex-ativistas políticos, dos anos 70 à contemporaneidade, e a crítica ao neoliberalismo, que estava no auge no governo de Fernando Henrique Cardoso”, enumera Hermes Frederico. A TVE já tinha abraçado um outro projeto – o da série em 10 capítulos “Uma pitada de sorte”, escrita por Alice, dirigida por Eric, musicada por Gustavo e com Ítalo Rossi, Rubens Corrêa e Sergio Britto no elenco.

Não por acaso, muitos dos alunos que saem da CAL conseguem entrar com rapidez no mercado de trabalho. “Olhamos para o mercado, mas procuramos inseri-lo de forma crítica dentro do programa da escola”, destaca Gustavo Ariani, que, para atender a expansão e demanda do curso, vem alugando o teatro da Hebraica e planejando a inauguração de um novo espaço – o Instituto CAL de Arte e Cultura. “Em nosso programa, estamos sempre procurando trazer muitos profissionais do mercado: atores, diretores, críticos, agentes, cenógrafos”, assinala Hermes, que também credita ao aumento da procura de alunos pela escola a mudança no modo de encarar a profissão artística. “As famílias aceitam mais porque a mídia mostra uma faceta de profissionais bem-sucedidos, especialmente os de televisão”, observa.

Um dos setores da escola em evidente expansão neste momento é o Núcleo  coordenado por Alice Reis e voltado para o trabalho com crianças (entre 6 e 11 anos) e adolescentes (entre 12 e 15). As primeiras entram em contato, por exemplo, com peças de Maria Clara Machado e textos de Ziraldo, Lygia Bojunga e Ana Maria Machado; os outros, com peças importantes da dramaturgia brasileira e universal, como “A Geração Trianon”, de Anamaria Nunes, e “O Inspetor Geral”, de Gogol. “O espaço da CAL está se tornando pequeno para o Núcleo”, diz Alice, que em 2003, já tinha organizado  apresentações de uma das turmas no Museu da Vida, na Fiocruz, onde trabalha Thelma Lopes, uma das professoras da CAL. Este ano, Alice retomou contato com o Museu da Vida e desenvolveu outros, como os colégios São Paulo, Espaço-Educação e Olga Mitá e o Teatro Ziembinski, oferecendo aos alunos a possibilidade de se apresentarem para um público não formado tão-somente por familiares. Muitos dos professores que integram (ou já passaram pelo Núcleo) se formaram na CAL, como Andrea Bacellar, Marina Henriques, Thelma Lopes, Ana Luísa Cardoso, Wendell Bendelack, Antonio Amâncio e Márcia Frederico.

Já Eric vem, há cerca de dez anos, trabalhando com os alunos a interpretação voltada para a linguagem do vídeo. “Acho que a linguagem do vídeo não é destinada aos alunos iniciantes, mas para depois da fase de aprendizado do Método de Stanislavski. Os que se saem melhor costumam ser aqueles que têm boa cultura”, identifica Eric, alertando talvez para o fato de que a solidez na formação diminui o risco de um certo deslumbramento do aluno quando tem a câmera ligada diante de si. “Narciso não se apaixonou por sua imagem, mas por uma imagem refletida”, resume. Eric demonstra uma certa preocupação com o desembarque de pessoas cada vez mais jovens na profissão. “A têmpera de uma atriz começa aos 25 anos; a de um ator, aos 30”, detecta. Em suas aulas, trabalha a fusão das gramáticas do cinema e da televisão. Mas não acredita na compartimentação entre ator de teatro, de cinema e de televisão. “São linguagens diferentes. Uma escola moderna tem a obrigação de preparar o ator para todas elas”, destaca Eric, que se formou no Conservatório Nacional de Teatro, em 1974, onde trabalhou com Yan Michalski, com quem semeou a CAL, escola que se mantém de pé há 25 anos.

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