PORTA-VOZ DE UM TEATRO DE RESISTÊNCIA

por Daniel Schenker Wajnberg

Eduardo Tolentino de Araújo, tanto nas montagens do Tapa quanto nas que realiza fora do grupo, vem, ao longo dos anos, lutando por um teatro de repertório. Assume uma postura de resistência numa época como atual, na qual, tão freqüentemente, montagens buscam conquistar de forma mais direta a cumplicidade do espectador.

Seu novo espetáculo, em cartaz no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil, evidencia, uma vez mais, a defesa por uma dramaturgia consistente, no caso, através de Lars Norén, autor sueco até então inédito no Brasil. Em cena, Sergio Britto, Laura Cardoso, Denise Weinberg e Emilia Rey – as duas últimas, portadoras de trajetórias artísticas entrelaçadas às do Tapa – interpretam integrantes de uma família que descortinam verdades no decorrer da “longa jornada de um dia noite adentro”.

Formado no final dos tumultuados anos 1970, o Grupo Tapa trocou, em meados dos anos 80, o Rio de Janeiro por São Paulo, fixando sede, até 2001, no Teatro da Aliança Francesa, no bairro de Santa Cecília. Bem-sucedidos espetáculos infanto-juvenis, como “Tempo Quente na Floresta Azul”, de Orígenes Lessa, cederam espaço à renomadas versões para textos como “O Tempo e os Conways”, “Sra. Klein”, “Do Fundo do Lago Escuro”, “Os Órfãos de Jânio”, “Vestido de Noiva”, “Rasto Atrás” e “Major Bárbara”, entre muitas outras, sempre mesclando os atores do Tapa a profissionais de geração diversa, como Nathalia Timberg, Beatriz Segall e Maria Alice Vergueiro. Depois de “Outono e Inverno”, Tolentino já agendou sua próxima estréia. Será “Camaradas”, de Strindberg.

Apesar de não pertencer ao Tapa, a montagem de “Outono e Inverno” está integrada às principais propostas do grupo, não?

EDUARDO TOLENTINO DE ARAÚJO – Sim. Poderia perfeitamente ser uma escolha do Tapa. Pretendo, inclusive, montar outra peça de Lars Norén no Brasil. Chama-se “O Amor é tão Simples”. Assisti na Polônia e fiquei apaixonado pelo texto. Mas também com uma série de dúvidas em relação a ele. Lars Norén é muito montado na Europa setentrional, mas pouco traduzido para o inglês. Como também gostei muito de “Outono e Inverno”, quando Hermes (Frederico) sugeriu que realizássemos um projeto juntos, pensei neste texto.

Como “Outono e Inverno” se insere na dramaturgia de Norén?

Faz parte da trilogia dos quartetos burgueses. Numa determinada fase, a família ocupou lugar importante na obra dele. Na verdade, Norén começou abordando ambientes pequeno-burgueses. Seus textos da primeira fase lembram Plínio Marcos. “A Noite é Mãe do Dia” traz um linguajar fortíssimo. “Outono e Inverno” é de 1987 e hoje ele está envolvido com peças diferentes. A última, “Guerra”, tem oito horas de duração e trata dos conflitos balcânicos. Há ainda “3.0”, montada pelo próprio Lars Norén com presidiários, e “Beijar as Sombras”, absolutamente memorável, escorada em “A Longa Jornada de um Dia Noite Adentro”, de Eugene O’Neill.

Quais as principais influências que você detecta em “Outono e Inverno”?

Norén bebe em Ibsen e Strindberg. Há também Ingmar Bergman e os dramaturgos americanos, especialmente Eugene O’Neill e Edward Albee. “Longa Jornada...” e “Quem tem Medo de Virginia Woolf?” são duas referências fundamentais.

Fazer teatro de repertório é uma postura de resistência nos dias de hoje?

Sem dúvida. Vivo em São Paulo, uma cidade que coloca 209 peças em cartaz e sofre menos influência da televisão do que o Rio de Janeiro. É como comparar Los Angeles e Nova Iorque. Minha última estréia aqui foi “O Tempo e os Conways”, há mais de 20 anos. Mas não quer dizer que não haja resistentes no Rio. Seja como for, eu sigo na linha que venho desenvolvendo ao longo dos anos. Meu próximo projeto é montar “Camaradas”, de Strindberg.

Como o grupo Tapa está se mantendo sem uma sede fixa?

O pior já passou. Recebemos o fomento, que nos garante uma sobrevida de mais um ano. Hoje em dia é impossível fazer teatro de quinta a domingo e viver de bilheteria sem ser subvencionado. O Brasil trata o teatro como empresa privada e taxa como se fosse uma questão pública. Temos impostos altíssimos. Aqui, tudo é deformado. Uma coisa é dar a meia-entrada da terceira idade para magistrados, desembargadores; outra é apresentar para grupos carentes. Ou a arte é uma questão de livre iniciativa ou de estado. Não posso pagar o mesmo imposto que o dono do botequim. Não há meio ingresso para comprar Coca Cola. Atualmente, a maior parte dos espetáculos fica em cartaz de sexta a domingo. E não é por falta de público e sim pelo fato dos atores ficarem sujeitos aos horários da TV.

Em “Outono e Inverno”, você trabalha com duas atrizes com trajetórias ligadas ao Tapa, Denise Weinberg e Emilia Rey, e pela primeira vez com Laura Cardoso. E com Sergio Britto, como foi seu contato anterior?

Sergio foi meu professor. Participei de um curso dele no Teatro dos Quatro. Eu, Emilia e Denise chegamos a fazer figuração em “Carmen”. Acho que um dos grandes baratos do teatro é cruzar e confrontar as gerações.

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