QUESTÕES, PROPOSTAS E SIGNIFICADOS

por Pedro Henrique Neves

Jefferson Miranda dá continuidade à sua pesquisa de linguagem em espetáculo inspirado em Oswald de Andrade

Em seus dois últimos espetáculos, o diretor Jefferson Miranda, à frente da companhia Teatro Autônomo, tentava equilibrar uma proposta que unia densidade temática a uma representação de cenas que apostavam em um ultra-naturalismo. "Deve haver algum sentido em mim que basta" e "E agora nada é mais uma coisa só", as tais montagens, buscavam trazer cenas de flagrantes do cotidiano de pessoas absolutamente comuns. Com o desenrolar das situações, temas como amor, morte, abandono e amizade eram postos no centro da cena. O público era sempre envolvido na ação, que acontecia em espaços não-convencionais, em instalações cenográficas concebidas por Flávio Graff.

O mesmo acontece em "O perfeito cozinheiro das almas deste mundo", em cartaz na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Desta vez, toda a pesquisa desenvolvida pelo diretor e sua companhia são "emprestadas" para contar - ou mesmo fornecer algumas informações sobre - uma história "real" e datada: o romance secreto entre Oswald de Andrade e a jovem Maria de Lourdes, que se encontravam na garçonnière do escritor no início do século passado. Tal romance é apenas o ponto de partida de uma peça que ainda vai mostrar um casal, em processo de separação, no mesmo lugar, em 2006. E também apresentar o que seria um encontro de duas pessoas daqui a cem anos. Logo de início, a proposta de falar sobre o romance do escritor modernista perde qualquer caráter documental, o que pode soar paradoxal visto que as atuações naturalistas emolduram todas as cenas. Pode até ser que o espectador, desavisado, nem venha a saber de que se trata de Oswald e Maria de Lourdes - ou Cyclone e Miramar, codinomes que adotavam em suas cartas. Ele apenas verá mais um casal, naquela época, vivendo uma situação (ou uma etapa do relacionamento amoroso) que sempre soa familiar.

O espetáculo é construído com base na intimidade da relação dos casais retratados. Para isso, o diretor exige uma atuação extremamente detalhista dos atores. Luiza Mariani e Diogo Salles dão vida ao casal protagonista e conseguem, mais através do silêncio do que das palavras, expor os conflitantes interiores de suas personagens. O mesmo acontece com Mateus Solano e Thiare Maia, que encontram um tom parecido para o casal dos dias de hoje.

Algumas questões dominam o texto - a cargo de Nina Crintzs. A principal delas fala sobre a necessidade de mudar o rumo da vida, ou mesmo sobre a importância de determinadas escolhas individuais. Tais temas - já presentes nos outros dois espetáculos anteriores de Jefferson Miranda - aparecem nos três casais, da mesma forma que outros elementos caros ao diretor também são constantemente evocados (uso do gravador, repetição de frases por personagens diferentes, em contextos diversos).

Jefferson é fiel ao seu universo temático, assim como Flávio Graff, que promove uma interessante continuidade em sua pesquisa com a cenografia. Responsável por ambientar lindamente a velha sala da escola de cinema, o cenógrafo enche a cena de uma atmosfera repleta de sutilezas, climas e significados. Um trabalho louvável, cabendo ressaltar o esmero da produção por conseguir viabilizar toda a proposta. “O perfeito cozinheiro das almas deste mundo” representa uma continuidade do trabalho do diretor e do cenógrafo, desta vez fora de sua companhia (apenas fazendo uso do ator Diogo Salles). A idéia inicial de falar sobre o romance na garçonnière de Oswald de Andrade acaba perdendo força e o que vemos é mais um espetáculo sobre pequenos dramas humanos, com interessantes composições de personagens e imagens. No entanto, a união do particularíssimo universo do diretor com a idéia inicial da montagem acaba resultando em um espetáculo completo, redondo e de extrema sensibilidade.

“O Perfeito Cozinheiro das Almas deste Mundo”

Inspirado na obra homônima de Oswald de Andrade.  
Dramaturgia: Nina Crintzs. Direção de Jefferson Miranda.
Com Luiza Mariani, Diogo Salles, Mateus Solano e Thiare Maia.
Quintas e sextas, às 19h30. Sábados e domingos, às 19h. Ingressos a R$ 20.

Escola de Cinema Darcy Ribeiro (Rua da Alfândega, 5 , 3º andar -Centro) Tel: 2516-9972.

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