O TEATRO PERDE ARICLÊ PEREZ
Atriz trilhou carreira de destaque nos palcos e, nos últimos anos, na televisão
por Daniel Schenker Wajnbenrg



Ela foi dirigida por Antunes Filho em "Peer Gynt"; por Ademar Guerra em "Hair"; por José Possi Neto em "M. Butterfly"; e por Flávio Rangel, com quem se casou, em muitos espetáculos, como "Freud - no distante país da alma", "Investigação da classe dominante", "Pippin" e na elogiadíssima versão de "À margem da vida". Ariclê Perez, falecida aos 62 anos, ingressou na televisão já em fase adiantada de sua carreira. Mas quem a acompanhava na TV pode ver sua última imagem nos dias anteriores à sua morte. Afinal, interpretava Júlia Kubitscheck na minissérie "JK", de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira.

Ariclê vinha conquistando espaço crescente na televisão. Tanto que integrou com destaque os elencos das minisséries "Os maias", "Um só coração" e "A casa das sete mulheres" e das novelas "Salsa e merengue", "Anjo mau" (2ª versão), "Meu bem, meu mal" e "Felicidade". No cinema foi atriz bissexta. Apenas três filmes: "Paixão na praia", de Alfredo Sternheim, "Pixote - a lei do mais fraco", de Hector Babenco, e, mais recentemente, "Quanto vale ou é por quilo?", de Sergio Bianchi, que lhe rendeu o prêmio de melhor atriz coadjuvante no Festival do Ceará.

No teatro, ainda firmou parceria relevante com Paulo Autran na montagem "Encontro-espetáculo com Ariclê Perez". "Ator e diretor travam encontros artísticos. Algumas vezes são imensamente bem-sucedidos; outra, nem tanto; e, em alguns casos, o encontro nem chega a acontecer devido a desacordos. É mais uma relação entre criadores, mas ela também pode se dar entre criador e criatura. Por exemplo: Paulo Autran foi muito importante ao me dirigir porque eu estava passando por uma fase pouco inspirada. Tempos depois, já de posse de minhas faculdades criativas, ia até a casa dele de 15 em 15 dias para fazer uma master class", contou Ariclê.

Em 2002, a atriz passou pelos palcos cariocas com uma encenação singular e discreta como parecia ser a sua personalidade: "Criador e criatura", na qual buscava inspiração em Machado de Assis, apresentada no Teatro Raymundo Magalhães Jr. da Academia Brasileira de Letras. Um trabalho que espelhava seu hábito de mergulhar na leitura de tudo o que se referia ao universo abordado a cada momento. "Reli 'Dom Casmurro' várias vezes e passei a fazer a defesa de Capitu, capítulo a capítulo, e a desenvolver a relação dela com o criador. Coloquei-a como uma mulher de papel que vai conversar com o autor", disse Ariclê, às vésperas da estréia, no Rio de Janeiro, da peça dirigida pela amiga Bibi Ferreira, com quem travou contato a partir da montagem de "O homem de la mancha", em 1972.

Depoimentos de Ariclê Perez retirados do livro "Viver de teatro", de José Rubens Siqueira:

Flávio Rangel - "Estávamos no Hotel Maksoud e ele começou a passar muito mal, suor frio, ficar branco e aquela dor no peito. Aí nós fomos para um pronto-socorro cardíaco. E, no dia seguinte, voltamos ao Rio. E ainda fomos parar mais uma ou duas vezes num pronto-socorro cardíaco. Fomos a um cardiologista assim que chegamos no Rio e o teste ergométrico dele foi péssimo. A ponto do médico pedir uma cineangiocoronariografia. Com essa notícia, o Flávio ficou muito angustiado. E fez uma espécie de 'negociação com a vida', uma expressão muito dele. Disse: 'eu não posso morrer agora. Preciso de cinco anos para por a vida em ordem'. Mais tarde, eu pensei na força das palavras: ele podia ter pedido mais 50".

À Margem da vida - "Eu fazia a Laura, uma personagem muito delicada, suave, de asas sempre fechadas, os movimentos eram poucos, ela jamais saía dos limites do próprio corpo. E eu acho que foi dessa postura, dessa expressão corporal extremamente tímida, fechada, que Flávio criou a bela marcação da cena do beijo, quando então, pela primeira vez, Laura abria os braços, como em vôo".

Freud - no distante país da alma - "Em Freud, o trabalho com a sra. von Ritter, como nós a chamávamos, foi completamente diferente. Era uma personagem de uma energia conturbada, uma histérica. Nessa época, Flávio e eu já estávamos casados e uma atriz em fase de ensaios não faz outra coisa a não ser pensar e falar na sua personagem, 24 horas por dia. A certa altura, o Flávio passou a mão no telefone, ligou para o Hélio Pellegrino e pediu a ele que resolvesse 'as dúvidas da Ariclê'. Na verdade, o que eu fiz foi levar ao Hélio a srta. von Ritter, que saiu do consultório muito alegre com a aprovação de um representante do doutor Freud".


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