IRENE DÁ UM BAILE
Atriz marca presença no filme “Depois daquele baile” e na novela “Belíssima” e assina a produção de espetáculo em São Paulo.
por Daniel Schenker Wajnberg



É improvável que a alegria contagiante de Doris - uma das protagonistas de "Depois daquele baile", filme de Roberto Bomtempo - pudesse ser mais adequadamente transmitida por outra atriz do que Irene Ravache, sempre habilidosa ao lidar com o diálogo coloquial e as nuances emocionais. Generosa, Doris é a dona de para o texto de Leilah Assunção -, Irene Ravache está se dedicando ao trabalho na novela "Belíssima", de Silvio de Abreu, atualmente em exibição na TV Globo. E assina a produção de "As turca", peça de Andréa Bassitt centrada em três irmãs de origem sírio-libanesa. "Estou cercada de comida por todos os lados - árabe uma aprazível pensão de Belo Horizonte onde almoçam Freitas e Otávio, fregueses que disputam seu coração num filme que evolui em ritmo de platônico romance à moda antiga. Um clima valorizado por Bomtempo, conforme sugerido no roteiro fluente e simpático da jornalista Susana Schild, escorada em peça homônima de Rogério Falabella.

Recém-saída de uma bem-sucedida experiência no teatro - "Intimidade indecente", espetáculo de Regina Galdino no teatro, mineira no cinema e grega na televisão", brinca Irene, que interpretou, recentemente, Madame Clessy numa leitura de "Vestido de noiva", de Nelson Rodrigues, que fez parte da homenagem da Casa das Artes de Laranjeiras (CAL) ao Grande Teatro Tupi. "Quando Hermes (Frederico) me chamou, aceitei correndo porque é um papel que todas as atrizes desejam", diz.

Na entrevista, Irene fala sobre sua personagem em "Depois daquele baile", filme exibido na última edição do Festival de Brasília, em que contracena com Lima Duarte (com quem também está formando par na novela) e Marcos Caruso (seu parceiro em "Intimidade indecente"), os desempenhos mais recentes no teatro (incluindo "Uma relação tão delicada", de Loleh Belon) e sua especificidade como atriz. Assume estar mais conectada ao bom naturalismo - de textos como "Bodas de papel" e "De braços abertos", ambos de Maria Adelaide Amaral, e à já citada dramaturgia de Leilah Assunção, incluindo o sucesso alcançado com "Roda cor de roda" - do que a textos clássicos - apesar de já ter participado de montagens de obras de Fassbinder ("Afinal, uma mulher de negócios") e Robert Patrick ("Os filhos de Kennedy"). "Ao final de cada apresentação, muitas pessoas passaram a me esperar. De início, elogiam meu trabalho mas, querem, na verdade, falar delas. Ouço depoimentos dos mais engraçados aos mais comoventes. São modificadores para mim", explica.

"Depois daquele baile" preserva um certo sabor das coisas antigas. Você se considera uma pessoa saudosista?

IRENE RAVACHE - Sou carioca. Quando vou ao Rio de Janeiro e vejo aqueles prédios com grades, recordo, inevitavelmente, do passado. Mas acho que isto acontece com qualquer pessoa. Em contrapartida, é muito bom quando constatamos uma mudança benéfica. Então, não fico pensando "ah, no meu tempo...", até porque tenho netos e eles me proporcionam uma releitura. Quando nasceu meu neto mais velho, fiquei muito agradecida pelo fato dele lembrar muito meu filho. Por terem saído cedo para trabalhar, as mães da minha geração acham que não estiveram atentas aos filhos. Esta lembrança é a prova de que eu estava. Acho, então, que não temos que riscar o passado, mas sim fazer uma reverência ao que nos trouxe até aqui e caminhar para frente.

Há algo de antigo em Doris?

Ela é antiguinha. Tem frases feitas, combina brinco com anel e colar. Ela poderia ser uma figura amargurada, mas tomou a decisão de ser feliz. O filme mostra justamente um momento em que as personagens optaram por viver bem, por serem felizes com o que têm. Isto é muito inteligente. Doris, por exemplo, sabe cozinhar. É algo com que me identifico. Não tive pai e marido ricos, mas sei cozinhar. E quem sabe cozinhar agrega as pessoas. Tanto que Freitas e Otávio vivem em torno da casa. Doris tem um sorriso bonito, mas aquela mesa é importante. É uma mulher ativa, que encontra prazer em ir ao mercado.

Entre os seus outros trabalhos no cinema, há o documentário "Que bom te ver viva", de Lucia Murat. Fale um pouco sobre ele:

Eu estava gravando a novela "Sassaricando" e minha personagem era loira e burra, tinha decote, vestia roupas medonhas e pintava a unha de azul. Quando Lucia me apresentou "Que bom te ver viva", decidi aceitar pela importância do projeto. Seria importante que meus filhos assistissem. Sou daquela geração. Tive amigos presos e polícia na minha casa. Durante as filmagens, pedia a Lucia para ensaiarmos muito e gravarmos de primeira. Grande parte do filme foi feito assim. O depoimento que mais me chamou a atenção foi o de uma mulher que ficou grávida e teve o filho na prisão. Ela dizia: "eles vinham com a morte e eu com a vida". Tinha ataques epiléticos na cadeia, uma situação que deixa a pessoa absolutamente vulnerável.

Você demonstra muita habilidade para lidar com o texto coloquial, não?

Sim. Colegas me dão esse retorno. Dizem que o meu natural não é o naturalismo da TV. E que tem teatralidade quando se trata de teatro. Acho que se deve às aulas com Glorinha Beutenmuller, ao método dela de trabalhar a palavra passando pelos cinco sentidos, de fazer a fotografia da palavra.

Como se dá a sua relação com os textos?

Trabalho os textos sem prurido. Se o autor brigar comigo, eu brigo com ele. Mexo com as palavras. Às vezes, leio uma seqüência de diálogos que me parece que deveria entrar num outro momento. Daí, surgem mudanças. No caso de "Intimidade indecente", fui várias vezes à casa da Leilah. Marcos Caruso e Leilah diziam que era um drama; a mim parecia uma comédia dramática na linha de Woody Allen, que é capaz de colocar um cadáver dentro de um fusca. Em todo caso, sou fascinada pela palavra. Teatro para mim é uma pessoa falando e a outra ouvindo. Evito cacos. Também é preciso tomar cuidado com muletas televisivas. Se o ator diz `sabia' no final de cada frase de um texto de Shakespeare ou Noel Coward, remete o espectador direto para a praia de Ipanema.

Independentemente de juízos de valor, no decorrer da sua carreira você parece privilegiar textos comunicativos em detrimento das chamadas obras clássicas. Concorda?

Sim. Nós não sabemos exatamente como as coisas começam. Um diretor pode dizer que faz teatro de vanguarda. Mas quem tem que expressar isto é a sua obra. Quando enveredei por um teatro investigativo da alma de personagens muito inseridas no cotidiano, várias pessoas passaram a me esperar no final de cada apresentação. De início, elogiam meu trabalho mas, querem, na verdade, falar delas. Ouço dos depoimentos mais engraçados aos mais comoventes. São modificadores para mim. Se eu optar por um clássico, não terei este tipo de retorno. Até gostaria de fazer por um ou dois meses, de preferência como atriz contratada. Mas não sei se ficaria um ano fazendo a Gertrudes de "Hamlet".

Em espetáculos como "Intimidade indecente" e "Uma relação tão delicada", o seu trabalho também se destaca pela capacidade de fazer personagens que atravessam décadas sem se valer de recursos como maquiagem. É o que se costuma chamar de técnica?

A técnica vem a serviço da emoção. Durante os ensaios eu me emociono muito. Quando estava ensaiando "Uma relação tão delicada", Vivian Buckup disse que perdia o que eu falava por causa do choro. Então, isto é algo que preciso resolver tecnicamente. Tenho que ter a minha voz instrumentada e a respiração sob controle. Em qualquer profissão, a técnica é bem-vinda. Mas não se pode esquecer do recheio. O teatro sempre proporciona uma revisão. Quando percebo que estou utilizando muitos gestos, entro em cena limpa no dia seguinte. A qualidade resulta do trabalho. Ao longo do tempo, muitas coisas de qualidade me foram apresentadas e não fiz porque não sentia afinidade, mas não nego o acabamento. Não há milagre; só trabalho.


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