Assim como muitas barbaridades são perpetradas em nome de  inestimáveis valores como liberdade, igualdade, fraternidade etc., da mesma  forma uma série de equívocos costumam ocorrer quando se trata de improvisação  teatral, sendo o mais comum a crença de que desenvoltura verbal é o suficiente -  neste particular, a mestra de todos nós, Maria Clara Machado, costumava dizer  que o excesso de palavras é quase sempre proporcional à ausência de sentimento. 
              
          Mas antes de nos aprofundarmos no  tema, talvez seja imperioso recorrer à conceituação. No caso, do verbo  Improvisar. Segundo mestre Aurélio...
                    Improvisar: fazer arranjar, inventar ou preparar às pressas, de repente (improvisar  uma fantasia, improvisar uma mentira); falar, escrever, compor, sem preparação,  de improviso (improvisar um discurso).
                    De suas  palavras podemos deduzir no mínimo duas coisas. A primeira: que improvisar  requer imaginação (inventar). A  segunda: que é inerente ao verbo um sentimento de urgência (preparar às pressas). E tais atributos  estão aqui restritos ao universo cotidiano, pois quando entramos no terreno  teatral muitas outras premissas se fazem indispensáveis, embora não raro  desprezadas ou ignoradas. Vamos a algumas delas.
        Disponibilidade
                    Antes de qualquer outra coisa, o  aluno/ator tem que tentar se colocar em um estado de total disponibilidade,  pois só assim conseguirá interagir verdadeiramente com seus parceiros através  dos estímulos que recebe e envia. Mas atenção: estar disponível para o outro  não significa aderir a qualquer proposta apresentada, se esta se afigura como  um disparate. Neste caso, e sem interromper a improvisação, o aluno deve buscar  uma alternativa imediata para dar um novo rumo (ou tornar mais plausível) a uma  iniciativa equivocada de seu colega, sem questioná-la com palavras inúteis,  priorizando a ação.       
         Coragem
            
                        De todas as artes, a do ator  talvez seja a que contenha os maiores riscos, posto que exercida ao vivo e sem  qualquer tipo de intermediação com a platéia. Ou seja: mesmo que uma peça tenha  sido exaustivamente ensaiada, ou já esteja em cartaz há muito tempo, nada  impede que numa determinada noite ocorra algum imprevisto que obrigue o ator a  esquecer o combinado e partir corajosamente para uma solução improvisada -  afinal, o show não pode (ou não deve) parar. Neste caso, a URGÊNCIA de  encontrar uma saída convincente estimulará ao máximo a IMAGINAÇÃO do  intérprete.
              Entretanto,  o ato de partir corajosamente para uma  solução improvisada não nasce do nada, mas certamente é fruto de um  treinamento específico, de preferência constante, ao qual todos os intérpretes  devem se submeter, sejam eles profissionais consagrados ou jovens que estejam  dando início ao seu aprendizado. E ainda que alguns exibam mais facilidade para  improvisar do que outros, a coragem de lançar-se em um terreno desconhecido é  essencial para qualquer um que pretenda intitular-se ATOR.
        Medo 
            
                        Atores ou não, todos temos medo,  ainda que em graus variados, de nos confrontarmos com o desconhecido. Isso  significa penetrar em um local isento de referenciais tranqüilizadores, uma  espécie de terra de ninguém, de onde  podemos retornar mais enriquecidos ou com inquietações que não supúnhamos ter.  Mas esta é uma das regras do jogo e para usufruí-lo plenamente é preciso ao  menos tentar esquecer,  momentaneamente  que seja, todos os receios que tendem a nos paralisar e impedir de vivenciar  novas experiências. É claro que essa disponibilidade não nasce de uma hora para  outra, mas também jamais ocorrerá por insistência do professor ou em  decorrência de qualquer outro tipo de estímulo externo. O aluno tem que querer  e é essa vontade que o fará superar aos poucos todos os bloqueios que o inibem.
        Ilusão
            
                        Entretanto, é muito comum nos  depararmos com alunos de improvisação que julgam, erroneamente, já estarem em  um estágio muito avançado no tocante ao tema, pelo simples fato de freqüentarem  há algum tempo um curso específico ou já terem freqüentado vários. E se  incitados a justificar o porquê de avaliação tão lisonjeira, em geral as  respostas são muito parecidas, podendo ser resumidas a dois singelos tópicos: 
        1º A timidez inicial cedeu lugar à desenvoltura.
          2º As parcas palavras de outrora passaram a jorrar aos  borbotões. 
          Ou seja: ausência de timidez e  fluência verbal estariam na essência da complexa arte de improvisar... 
               Nada mais enganoso, obviamente. Um aluno pode ser extremamente desenvolto em  cena (no sentido de ausência de timidez) e falar pelos cotovelos sem que isso  signifique que algum dia tenha verdadeiramente improvisado. Ou seja: se  aventurado em universos distantes de seu cotidiano. E por nunca tê-lo feito,  cria sempre “personagens” que o têm como principal referência. E por isso tende  a falar, se locomover e gesticular como o faz na vida real. 
  
  Sugestões 
  
               Como o presente artigo não pretende esgotar o tema, vamos encerrá-lo com  algumas poucas sugestões, válidas tanto para iniciantes como para aqueles que  já se julgam “experts” no assunto. Assim, sempre que estiver improvisando... 
             
          1)  Procure, sempre que possível, fugir de seu universo pessoal. 
          2) Fale  apenas o essencial. Palavras em excesso comprometem os sentimentos. 
          3)  Aprenda a escutar os outros. Só assim os outros escutarão você. 
          4) Não  faça questão de impor suas idéias. É importante aceitar outras. 
          5)  Contracenar implica em troca: saber dar e saber receber. 
          6)  Teatro é ação, não digressão. 
          7)  Quando perceber uma dificuldade, invista nela. 
          8)  Reaja prontamente a todos os estímulos, sem maiores racionalizações. 
          9)  Pense sempre que você está atuando para alguém. 
          10) Não  sofra se algo der errado numa improvisação. Acertos só nascem de equívocos.