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onde anda Marilena Ansaldi? perguntava muita gente.
A resposta tardou mas chegou. Depois de 12 anos distante dos palcos,
a atriz acaba de voltar em "Desassossego", espetáculo
dirigido por Marcio Aurélio, apresentado em São Paulo
no projeto "Dança em Pauta"/ 2005.
Feliz com seu ansiado retorno, Marilena fala francamente
sobre o longo entreato. "Sofri um esgotamento absoluto depois
de ter passado 20 anos produzindo 16 espetáculos sem dinheiro.
Não estava mais em condições de correr atrás
como pedinte para manter viva a minha arte. Tive depressão
e pânico. Melhorei após um ano. Cheguei a receber convites
para teatro, mas estava com a chama apagada. Fui abandonada por
mim mesma", conta Marilena.
O quadro melancólico começou a mudar
a partir de um telefonema da curadora do "Dança em Pauta",
Ana Francisca Ponzio. Marilena hesitou, mas seguiu alguns sinais.
"Abri, por acaso, o jornal e li o horóscopo, algo a
que não costumo dar atenção. Estava escrito:
'A vida encontra maneiras misteriosas de obrigar você a fazer
todas as coisas que sabe, mas não exercita'. No outro dia,
li: 'passe em revista a lista do que sabe fazer'", relembra.
Além disso, o convite era duplamente interessante:
marcaria sua reconciliação com a cena e os 30 anos
de "Isto ou aquilo", espetáculo marcante, escrito
pela própria atriz, que decidiu montá-lo, sob a direção
de Iacov Hillel, em 1975, depois de um primeiro período de
interrupção na sua trajetória artística.
"Desassossego" confirma, portanto, a capacidade de Marilena
Ansaldi de renascer após períodos de baque. As dificuldades
enfrentadas pela atriz decorrem, pelo menos em parte, da especificidade
do seu trabalho, na contramão de propostas comerciais. Na
verdade, Marilena não se esquivou por completo delas. Participou
de duas novelas, "Selva de pedra" (segunda versão)
e "Cara ou coroa", na TV Globo, mas não encontrou
pontos de identificação suficientes.
Entendendo
a arte como uma manifestação decorrente de uma necessidade
imperante, Marilena escreve os próprios textos que interpreta
ou busca em dramaturgos e escritores - como Fernando Pessoa (no
caso de "Desassossego"), Heiner Müller ("Hamletmachine"),
Marguerite Youcenar ("Clitmnestra") e Clarice Lispector
("Sopro de vida" e "A paixão segundo GH")
- uma transcrição precisa do que deseja expressar
diante do público. "Nunca fiz uma peça teatral,
mas as coisas que brotavam de mim mesma. 'Desassossego', por exemplo,
não é baseado no livro de Fernando Pessoa. Diferentemente
disto, pincei aspectos relacionados aos 12 anos em que permaneci
muda, apagada, e que poderiam ser úteis na construção
de uma performance", explica Marilena, em relação
ao desenvolvimento de um trabalho extremamente pessoal.
Os obstáculos não impediram Marilena de firmar uma
carreira repleta de guinadas favoráveis. Nascida no meio
operístico - os pais eram cantores de ópera -, ela
logo se apaixonou pela dança. Decidiu se tornar bailarina
clássica. Alcançou seu intento, chegando a integrar
o Ballet Bolshoi. "Aos 36 anos, senti necessidade de me expressar
de uma outra maneira. A dança começou a perder a exclusividade
e passei a me expandir em direção diversa, culminando
na realização de ´Isto ou aquilo'. Queria me
libertar das formas e avancei na direção do contato
com a palavra. Equilibrei tudo até completar 57 anos, quando
interrompi a carreira", afirma Marilena, que migrou para o
teatro influenciada pelo crítico Sábato Magaldi, com
quem foi casada.
Ao longo dos anos, trabalhou com diretores importantes, como os
já citados Marcio Aurélio e Iacov Hillel e mais Antonio
Araujo, Celso Nunes ("Escuta, Zé" e "Fundo
de olho") e José Possi Neto ("Sopro de vida",
"Geni" e "Picasso e eu"). No período
em que permaneceu distante da cena, Marilena Ansaldi conseguiu apoio
na música, sua diretriz, e na competência dos médicos.
Mas não só. "Acredito mesmo numa força
que existe e me protege", sintetiza, prestando fidelidade à
arte.
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