MATÉRIA: TEMPORADA EFERSVECENTE PARA ALUNOS DA CAL
Oportunidades pós-formatura

O delicado momento de conclusão da escola de teatro vem sendo enfrentado com bravura pelos formandos da Casa das Artes de Laranjeiras (CAL), dada a quantidade de alunos que formaram grupos ou trabalham avulsamente em montagens em cartaz neste momento. É a comprovação de que o ensinamento transmitido durante dois anos e meio de curso profissionalizante tem fomentado o ingresso prático na profissão artística.

Muitos alunos já conseguiram migrar para a televisão, alguns estimulados pelo contato com a linguagem do meio desenvolvida dentro da escola através da realização da minissérie "DNA". Desta experiência, Rafaela Mandelli, Pedro Garcia, Arlindo Lopes, Márcia Mancini, Daniel Del Sarto, Júlio Adrião, João Miguel, Gustavo Rodrigues e Augusto Zacchi saíram para a TV, aparecendo em seriados diários como "Malhação" e em novelas da emissora - como "Kubanacan" e, ainda no caso de Daniel, "Desejos de Mulher".

Formada em espetáculo assinado por Gerald Thomas e integrante da Cia. de Ópera Seca durante alguns anos, Camila Morgado foi escolhida por Jayme Monjardim para protagonizar a superprodução "Olga" e para integrar com destaque os elencos da minissérie "A Casa das Sete Mulheres" e da novela "América", atualmente no ar, que também traz a atriz Camila Rodrigues, formada na CAL.

Recém-apresentada, "A Lua me Disse", novela de Miguel Falabella e Maria Carmem Barbosa, contava com a presença de Rafael Paiva, ex-aluno da escola, onde estudaram nomes como Marcos Palmeira, Patricia Pillar, Ana Beatriz Nogueira, Marcelo Serrado, Murilo Benício, Lavínia Vlasak, Marcello Anthony, Heloísa Périssé e Maria Luisa Mendonça, entre outros.

No teatro, as perspectivas não são menos promissoras. Grande sucesso da temporada, atualmente em temporada no Teatro Vanucci, "Os Homens são de Marte... e é pra lá que eu vou" nasceu da capacidade de Mônica Martelli de transformar dificuldade em ação. "A boa acolhida do espetáculo prova que é possível acertar. Tinha vários obstáculos pelo caminho porque se trata de um monólogo com uma atriz que não é famosa", diz Mônica que recebeu indicação ao Prêmio Shell de melhor atriz.

Formada em 1993 pela CAL, Mônica conta que descobriu a veia de humor durante os anos de escola. "A CAL foi importantíssima. Sou de Macaé e freqüentei muito o circo, mas não teatro. Esta vivência começou na escola, onde também comecei a fazer várias cenas de humor", relembra Mônica, que não se diz partidária da piada. "Não há piadas soltas no meu espetáculo. Tudo está dentro de um contexto", afirma, em relação ao seu próprio primeiro texto, uma comédia romântica sobre as sucessivas tentativas de uma mulher de encontrar um relacionamento mais estável. "Se soubesse que poderia escrever, teria começado antes", complementa.

Dividindo-se entre 1990 e 93 entre o teatro e a faculdade de jornalismo, Mônica acabou enveredando pela primeira carreira. "Nunca exerci o jornalismo. Quando estava no Preliminar da CAL já comecei a trabalhar com Almir Telles na montagem de 'Torturas de um Coração'. Na fase do Regular fui convidada por Hamilton Vaz Pereira para fazer 'A Ira de Aquiles'", relembra Mônica, que, ao longo dos anos, procurou manter postura criteriosa no que diz respeito ao trabalho. "Acredito que o mais importante na carreira seja o tipo de escolha que você faz. Vemos a trajetória profissional de uma pessoa pelas escolhas realizadas", resume.

"Os Homens são de Marte..." surge acompanhado por outro espetáculo que vem encontrando, já há dois anos, ótima acolhida: a comédia de esquetes "Surto", realizada pelos ex-alunos, Wendell Bendelack, Thaís Lopes, Rodrigo Fagundes, Flávia Guedes e Samantha Schmutz, que se divide entre os ofícios de atriz e cantora. Samantha descobriu de brincadeira que cantava ainda nos tempos de escola. Quando se deparou com esta nova perspectiva, começou a freqüentar aulas de canto. "Com exceção de minha peça de formatura - 'Bispo do Rosário', assinada por Moacyr Góes -, só fiz musicais", diz Samantha. "Surto" também não é musiocal, apesar de Samantha cantar um pouco numa paródia à novela "Senhora do Destino". E a atriz já começa a ser identificada pelo grande público em suas aparições em programas semanais, como "Sob Nova Direção", "A Diarista" e em novelas como "A Lua me Disse".

Aluno que não parou de trabalhar depois de concluída a escola, Fabio Porchat vem colhendo bons frutos com "Infraturas", reunião de esquetes que escreveu durante o período em que permeneceu na CAL. Contracenando com Paulo Gustavo, outro ex-aluno, sob a direção de Malu Valle, Fabio coloca uma lente de aumento sobre as estranhezas do dia-a-dia. Algumas esquetes chegaram a ser apresentadas na CAL em montagem de Luiz Furlanetto com uma turma do 3º período da Etapa Regular do Curso Profissionalizante de Ator. "Hoje tenho cerca de 60 ou 70 esquetes escritas. Já tinha começado a escrever antes de ingressar na CAL, mas desenvolvi mesmo durante a escola", conta Fabio, que trancou a faculdade de administração em São Paulo para fazer teatro no Rio.

Acostumado a acumular muitas ocupações, Fabio, porém, esperou terminar a escola para partir para o seu vôo pessoal. "Malu quis que nos formássemos primeiro. Terminamos a temporada de 'João Ternura' e imediatamente começamos a ensaiar 'Infraturas'", diz Fabio, valendo lembrar que Malu Valle também é atriz formada pela CAL. Algumas cenas não aproveitadas em "Infraturas", que reestreará no Teatro Candido Mendes no dia 6 de outubro, migraram para "Faz sentido", outra coletânia de textos de Fábio apresentada dentro do projeto Brasil - 8 Visões, coordenado por Roberto Alvim, que tomou conta do Teatro Ziembinski.

Outros projetos já estão em andamento. Basta dizer que Fabio planeja dirigir alguns atores, como Camillo Borges, formado pela CAL, numa versão de "Picnic no Front", de Fernando Arrabal, e as atrizes Angela Blazo e Dinah Cesare em "Elas morrem no Fim", mais um texto de sua autoria. Com Angela e Dinah, Fabio estreitou contato no Studio Stanislavski, companhia de teatro dirigida por Celina Sodré, onde desenvolve trabalhos de atuação e dramaturgia.

Rodrigo Sant'Anna também não mediu esforços para viabilizar "Os Suburbanos", espetáculo que também está percorrendo o Rio de Janeiro com considerável sucesso. Neste novo besteirol, o ator/autor, morador do subúrbio, reúne situações tidas como típicas do comportamento suburbano, cada uma contextualizada num determinado ambiente (trem lotado, motel barato, praia, kombi). Ex-aluno da CAL, Rodrigo começou a escrever na escola, desenvolvendo seu projeto dramatúrgico em iniciativas como o Festival de Esquetes do Espaço Cultural Sergio Porto.

É importante destacar também que há grupos que saíram da CAL e permaneceram trabalhando ao longo dos anos. Um perfeito exemplo pode ser encontrado no Alice 118, conduzido por Ana Kfouri. "Estava dando aulas para uma turma e montei com eles um espetáculo, intitulado 'Eu sou mais Nelson', a partir de um roteiro que perpassava a obra de Nelson Rodrigues. Foi o maior sucesso. Primeiro apresentamos na CAL; depois, uma parte da turma inscreveu o projeto no Festival de Santa Teresa. Ganhamos o primeiro lugar. Fizemos temporada no Teatro Duse e levamos o trabalho para o Festival Veiga de Almeida e para o Fringe, do Festival de Curitiba. Cumprimos ainda temporada na Casa de Cultura Laura Alvim e fizemos o circuito Sesc", recorda Ana Kfouri.

O nome do grupo diz respeito a uma resolução encontrada a partir da carência. Sem lugar para trabalhar, passaram a ensaiar numa casa à venda, na Rua Alice, 118, em Laranjeiras. "Eu sou mais Nelson" continua sendo apresentado ao lado de outras montagens do grupo posteriormente realizadas como "Comoção" e "Potlatch". Neste momento, os espetáculos estão rodando em repertório em outras regiões do Brasil.

O Alice 118 não foi o único caso de grupo gestado dentro da escola. A diretora Ticiana Studart aproveitou alguns alunos que dirigiu na montagem (do 4º período da Etapa Regular do Curso Profissionalizante de Ator) de "Nossa Senhora das Flores", de Jean Genet, para a confecção de um novo espetáculo, chamado "As faces de Jean Genet", oriundo de um texto inédito de Álvaro de Sá que resgatou o Genet sentenciado à prisâo perpétua que, para não enlouquecer, escreveu na prisão tendo sido salvo por Jean-Paul Sartre; o criador de Divina, "travesti enlouquecida por sexo", como resume a própria Ticiana. Delírio carnal que pode ter influenciado João Gilberto Noll em "A Fúria do Corpo".

Foi num coletivo de atores jovens que a diretora encontrou disponibilidade para enfrentar a ousadia do autor. "Genet tem ojeriza a Deus, repulsa pelo que é divino e santificado. Mas o leitor/espectador sai com a sua fé reforçada. Aí está a ganialidade dele. Toda a exposição da sexualidade crua, escatologia e perversão leva você a pensar nos seus próprios preconceitos", assinala.

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