Daniel
Schenker Wajnberg Se
vistos superficialmente, os quatro espetáculos assinados
por Antunes Filho, apresentados no Rio de Janeiro graças
à iniciativa da Casa das Artes de Laranjeiras (CAL) e do
Sesc Rio, parecem muito diferentes entre si. De certa maneira, são
mesmo. Afinal, cada um é dono de uma determinada especificidade.
No entanto, um olhar mais cuidadoso pode detectar pontos comuns
que vêm norteando as pesquisas de Antunes à frente
do Centro de Pesquisa Teatral (CPT). O mais importante deles: o
destaque total ao ator, que, propositadamente, surge em cena despido
de adereços e contracenando tão-somente com os objetos
cênicos essenciais em espaços menores, como salas de
ensaio, do que o tradicional palco italiano.
"Prêt-à-Porter 7" é um projeto coordenado
por Antunes e centrado numa dupla operação dramatúrgica:
uma relativa aos textos das cenas propriamente ditas e a outra ao
texto não-verbal que preenche as ações dos
atores em cena. Cada "Prêt-à-Porter" possui
três cenas independentes. Nesta edição, o espectador
assiste, na primeira delas ("Castelo de Areia"), ao reencontro
entre duas amigas que desejam de alguma maneira reescrever suas
próprias histórias mas se deparam com a constatação
de que as pontes para o passado foram queimadas; à comunhão
silenciosa e apaixonada entre um cirurgião e um cliente que
deseja implantar seios de silicone ("Estrela da Manhã",
cena já apresentada em "Prêt-à-Porter 6");
e ao casal que se encontra pela primeira vez depois de carrespondências
trocadas na Internet ("A Garota da Internet").
A dramaturgia brasileira volta a bater ponto em "O Canto de
Gregório", de Paulo Santoro, que nasceu do processo
de trabalho desenvolvido no CPT, reconciliando Antunes com o texto
nacional, visitado em diversos espetáculos memoráveis
como "Macunaíma" (no caso de Mário de Andrade),
"A Hora e a Vez de Augusto Matraga" (João Guimarães
Rosa), "Nelson 2 Rodrigues", "Paraíso Zona
Norte" (no de Nelson Rodrigues) e "Vereda da Salvação"
(Jorge Andrade). A valorização do ator permanece em
"Antígona", espetáculo que dá seguimento
à pesquisa de Antunes em torno da tragédia grega,
a julgar pelas montagens atoriores de "Fragmentos Troianos"
e "Medéia" (1 e 2). Como em "Prêt-à-Porter",
aqui Antunes também caminha no sentido da recusa de uma espetaculosidade,
ainda que se trate de uma encenação repleta de imagens
de inegável bom gosto. O foco central está nas relações,
em embates que de tão extremados chegam contidos ao palco,
distantes de habituais derramamentos emocionais. E "Foi Carmen
Miranda", que estreou na última edição
do Festival de Curitiba, é uma aposta no minimalismo, no
silêncio, na sutileza absoluta, evocando a proximidade entre
Antunes e Kazuo Ohno, mestre do butô (a dança do renascimento
pós-Hiroshima e Nagasaki) para quem o espetáculo foi
apresentado no Japão. Encenador que vem fazendo história
nos palcos brasileiros, desde que começou sua trajetória
como assistente dos diretores estrangeiros que desembarcaram por
aqui e implantaram a modernidade nos palcos através das montagens
do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), Antunes Filho tem
mostrado no Rio de Janeiro boa parte de seus trabalhos dos últimos
anos. Preocupada em proporcionar ao espectador carioca conexão
com o teatro de Antunes, a CAL passou, a partir de "Gilgamesh",
a ajudar na viabilização da vinda dos espetáculos
para o Rio.
Seria correto dizer que os quatro espetáculos que começam
a ser apresentados no Rio trazem como carcaterísticas comuns
o destaque absoluto destinado ao ator e a presença apenas
dos elementos cênicos essenciais à cena?
ANTUNES FILHO - Sim. Caminho em direção ao minimalismo.
Os gestos são significativos nos meus espetáculos,
diferentemente do que ocorre na televisão. Quero que os atores
preservem a linha interior, o eixo, que tenham consciência
de que a raiz do olho está na nuca. Faço questão
de que sejam precisos. Luto pelo palco de maneira modernista, buscando
preservar determinados valores da alta cultura.
Depois de "Fragmentos
troianos" e das duas versões de "Medéia",
o senhor está encerrando um ciclo voltado para a tragédia
com "Antígona" ou planeja levar aos palcos com
outros textos?
Falo sempre que não vou mais fazer tragédia. Mas o
mais significativo do humano está na Grécia. É
a essência do homem, o que o faz vibrar, algo que mexe com
a alma. Não se trata de draminha. No caso de "Antígona",
acrescento uma nova leitura, mítica.
O senhor já
assinou montagens memoráveis de textos de Nelson Rodrigues.
Sente vontade de retornar ao dramaturgo?
Sim. É preciso levantar Nelson Rodrigues novamente. Muitas
montagens tiraram a poesia e botaram o ingrediente pornográfico.
As pessoas retiram os arquétipos e os resultados acabam ficando
banais como peças sobre transas mal resolvidas. Nelson traz
à tona a lama, os primórdios, a essência da
civilização. Tem algo fora do tempo nos seus escritos.
Como foi a apresentação
de "Foi Carmen Miranda" para Kazuo Ohno?
A apresentação foi boa, mas me senti mal porque ele
está paralisado. Tenho uma admiração profunda
por este homem.
O senhor carrega
ainda hoje a herança de sua formação junto
aos diretores do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC)?
Nunca irei imitá-los, mas aprendi muita coisa naquela "escola".
Adolfo Celi tornava vivo o espaço. Ziembinski fazia trabalhos
incríveis na afirmação de uma brasilidade.
Flaminio Bollini trazia um ar moleque de que eu gostava muito. Temos
que olhar para o universo de cada diretor. E havia Cacilda Becker,
portadora de uma comunicação de natureza espiritual.
Sua presença em cena era fascinante. Lembro-me particularmente
de "Pega Fogo" e "Anjo de Pedra". Seu trabalho
seria atual ainda hoje porque ela sempre foi contemporânea.
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