A noite de 22 de dezembro de l894 é fria e escura.
A orquestra
da Société Nationale sob a direção de
Gustave Doret solta, pelos campos férteis da música,
a divindade agreste e fecunda do FAUNO, que possuindo o dom da profecia,
faz nascer a música moderna.
Claude
Debussy, com apenas 21 anos (1892) projetara escrever um tríptico
orquestral "Prélude, Interludes et paraphrase finale
pour l'après-midi d'un faune" ("Prelúdio,
Interlúdios e Paráfrase final para a Sesta de um Fauno").
Só
o Prelúdio foi concluído e assim diz Debussy:
"A
música deste prelúdio é uma ilustração
muito livre do belo poema de Stéphane Mallarmé. Não
pretende de modo algum ser uma síntese dele. São antes
os sucessivos cenários ao longo dos quais se movimentam os
desejos e os sonhos do fauno no calor desta tarde. Depois, cansado
de perseguir a fuga temerosa das ninfas e das náides, abandona-se
ao sono embriagador, cheio de sonhos por fim realizados, de posse
total da natureza universal".
O arabesco
do solo da flauta que inicia a peça evolui, de forma ambígua,
por cromatismos e escalas diatônicas (maiores e menores) e
por valores rítmicos complexos e simples, colocando o ouvinte
na impossibilidade de captar as transições e as uniões,
e desta ambigüidade nasce uma magia indefinível, invisível
que lhe confere o seu poder de enfeitiçar.
O êxito
da estréia foi tal que a obra teve que ser bisada. O público,
com certeza, não notou o que o Prelúdio tinha de subversivo.
A flauta
do FAUNO estabelece "uma respiração nova da arte
musical, nesta data fundamental na história da estética
contemporânea" pois "instaura uma maneira de pensar
sumamente dúctil, baseada na noção de um tempo
irreversível" (Pierre Boulez).
Debussy,
de temperamento auto-indulgente, avesso à rotina e de natureza
hedonista e sensual, foi um rebelde às regras ortodoxas de
harmonia. Aboliu as formas tradicionais, empregando progressões
harmônicas "proibidas", acordes não relacionados,
dissonâncias sem resolver e um abundante uso de escalas pentatônicas
(cinco tons) e antigos modos (disposição de escala)
religiosos.
"Além
disso, estou cada vez mais persuadido de que a música não
é, pela sua essência, algo que possa fluir de uma forma
rigorosamente tradicional. É feita de cores e tempos ritmados".
O uso
do termo "impressionista", adotado da arte pictórica
para a música de Debussy, apesar de o desgostar, encaixava
à sua música por seu jogo punctilista de luz, sensibilidade
visual e seu eterno amor pelas cores orquestrais fluidas, ritmos
flexíveis, tonalidade vaga.
Em
1912, quase contra a sua vontade, Debussy deu autorização
a SERGEI DIAGHILEV, para adaptar a bailado a música do "Prelúdio
à Sesta de um Fauno", com a coreografia e interpretação
do bailarino VACLAV NIJINSKI. O ballet foi recebido com as mais
duras críticas da imprensa conservadora, que acusou o espetáculo
de imoral.
Em
1922, na Semana de Arte Moderna em São Paulo, a música
de Debussy escandalizou a paulicéia desvairada, pelas mãos
da pianista Guiomar Novaes.
"A
música é um conjunto de forças dispersas. Faz-se
dela uma canção especulativa. Prefiro as notas da
flauta de um pastor egípcio; ele coopera com a natureza e
sente as harmonias ignoradas pelos nossos tratados. Os músicos
só ouvem a música escrita por mãos destras;
nunca aquela que está inscrita na natureza. Ver nascer o
dia é mais útil que ouvir a sinfonia Pastoral. Há
que procurar disciplina na liberdade. Não ouvir os conselhos
de ninguém, a não ser do vento que passa e nos conta
a história do mundo" (Debussy).
Estava
fundada a música moderna.
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